Dra. Sheila Rodrigues
Itanhaém, SP
1. Introdução
Doença periodontal pode ser definida como uma alteração patológica de caráter inflamatório dos tecidos gengivais (gengivite),podendo progredir para o periodonto de sustentação resultando em perda de inserção dentária (periodontite) provocada pelo acúmulo de biofilme dentário no local da alteração.
As doenças periodontais reconhecidas como infecções bacterianas estão entre as mais comuns e crônicas do ser humano, afetando 5 a 30% da população adulta na faixa etária de 25 a 75 anos ou mais. Estão entre as mais importantes causas da perda dental. Evidências sugerem que as periodontites interferem no curso de certas doenças sistêmicas, como as cardiopatias, diabetes, além de estarem relacionadas ao baixo peso de recém-nascidos, parto prematuro e doenças respiratórias. Fica evidente que a prevenção e o tratamento periodontal são importantes para a manutenção da saúde periodontal e geral do indivíduo (COHEN et al.,2002; KHADER et al.,2004).
2. Doença Periodontal e Endocardite Infecciosa
A endocardite infecciosa é uma infecção microbiana nas válvulas cardíacas, podendo ser de origem congênita pelo uso de próteses ou devido à infecção dos tecidos cardíacos adjacentes. No passado, a causa mais comum de endocardite em indivíduos jovens era a febre reumática, ao contrário de hoje, em que tal condição está mais presente entre os idosos. Entre os vários microrganismos causadores, os dois mais comuns são o Streptococcus viridans e Staphylococcus aureus. Tais microrganismos podem ser comensais normais da cavidade oral em determinadas situações, e aumentam em quantidade na presença de infecções orais, tais como as periodontites crônicas. Outros patógenos periodontais ocasionalmente estão associados à endocardite infecciosa, como o Actinobacillus actinomycetemcomitans, Capnocytopha e Eikenella corrodens. As endocardites infecciosas (EI) podem aparecer espontaneamente ou serem decorrentes de focos de infecção. Microrganismos patogênicos oriundos da corrente sanguínea podem se alojar diretamente nas válvulas cardíacas ou no endocárdio próximo aos defeitos anatômicos. A EI tem alta taxa de mortalidade e morbidade o que justifica a prevenção da doença. Métodos preventivos incluem medidas para se diminuir o potencial de infecções na cavidade oral, pele, trato respiratório, gastrointestinal e urinário.
2.1. Doença nas Válvulas Cardíacas
Doença nas válvulas cardíacas é uma causa significativa de morbidade cardíaca. Dentre as anomalias mais comuns temos regurgitação mitral, geralmente associada a prolapso mitral, estenose aórtica ou calcificação valvular senil. Deve-se dispensar atenção reforçada ao paciente com doença valvular, pois este pode ser especialmente suscetível a EI. A incidência de doença valvular tem aumentado na população geriátrica, assim como tem aumentado o número de idosos que possuem dentes naturais, entretanto tais indivíduos mostram redução nas respostas imunes em função da idade.
2.2. Considerações Dentárias
Os procedimentos odontológicos que resultam em sangramento podem produzir bacteremias. Portanto, nem todos os tipos de bacteremias são significativos, alguns podem ser extremamente transitórios, com duração de 2 a 3 minutos, sem alojamento de microrganismos no tecido cardíaco comprometido. A incidência, assim como a gravidade das bacteremias odontogênicas, aumenta significativamente na presença de periodontite.
2.3. Próteses Valvulares nas Endocardites
Os pacientes com problemas valvulares podem necessitar de tratamento dentário antes e após às cirurgias cardíacas. Previamente à cirurgia cardíaca, os procedimentos odontológicos com alto risco de bacteremia devem ser acompanhados de suporte antibiótico profilático, seguindo a orientação da American Heart Association. Após a colocação das próteses cardíacas, é de suma importância que estes pacientes entrem em tratamento periodontal de manutenção. A maioria dos pacientes com tais próteses recebe medicação anticoagulante de uso contínuo. Nestas situações é prudente que o cirurgião-dentista siga as orientações do cardiologista.
Arterosclerose
A arterosclerose é a doença cardiovascular mais freqüente e principal responsável pela elevada incidência de complicações vasculares localizadas. Assim, as medidas de prevenção das doenças cardiovasculares apóiam-se fortemente em difundir os princípios básicos capazes de minimizar a incidência ou a severidade da arterosclerose, especialmente nos indivíduos portadores de fatores de risco. O processo de formação da placa aterogênica tem início com o aumento do LDL no sangue e seu conseqüente acúmulo no interior das paredes dos vasos. Conforme essa lipoproteína vai se acumulando, seus lipídios sofrem oxidação, desencadeando um processo inflamatório local que atrai macrófagos para a região. A maioria dos infartos ocorre após o rompimento das placas, com a abertura da sua tampa fibrosa levando à formação de coágulo. O mecanismo pelo qual a placa se rompe e expõe seu conteúdo trombogênico sugere que linfócitosT dentro da placa inibem a produção de colágeno pelas células musculares lisas, levando a uma maior fragilidade da superfície da placa (AZEVEDO et al.,1999; LIBBY,2002).
Estudos consideram que a natureza infecciosa das doenças periodontais poderia produzir a injúria inicial desencadeadora da aterosclerose, ou mesmo provocar o agravamento de processo aterosclerótico pré-existente. COHEN et al.,(2002), afirmam que certas infecções orais mostram um papel significativo na aterosclerose, que pode provocar lesões isquêmicas no cérebro, coração e extremidades, podendo provocar trombose e enfartamento dos vasos afetados, levando ao óbito. Relataram ainda que a aterosclerose é uma doença inflamatória (conceito de Ross, também denominado hipótese da resposta à injúria na aterosclerose) onde a lesão inicial resulta de injúria no endotélio, que leva a um processo inflamatório crônico na artéria. Esta injúria inicial pode ser resultante de um aumento da quantidade de colesterol circulante, atrito no sangue na parede dos vasos, monóxido de carbono (fumantes) e, mais recentemente considerado, os agentes infecciosos. Segundo os autores, o acúmulo de lipídios é um aspecto chave deste processo e, em estágios posteriores, a placa ateromatosa pode ser coberta por uma capa fibrosa, que posteriormente pode sofrer erosão e sua ruptura pode levar à formação de trombos com oclusão de artérias, resultando em infarto.
Segundo GEERTS et al.(2004), uma infecção crônica pode levar ao processo de formação da placa aterogênica por duas diferentes maneiras: através da invasão direta de bactérias pelas paredes das artérias ou pela liberação de mediadores inflamatórios sistêmicos, com efeitos aterogênicos em resposta à infecção.
COHEN et al,(2002) afirmam que após a injúria do endotélio, monócitos circulantes são recrutados para o local, passam pelo endotélio e tornam-se macrófagos. Estes acumulam lipídios (LDL) com oxidação e alteração da sua forma.
Existem evidências na associação entre algumas infecções comuns do homem e a arterosclerose. Segundo Daneshe et al,(1997), existem evidências que a infecção por Clamydia pneumoniae, Helicobacter pylori, citomegalovírus e bactérias periodontais estão associados à doença cardíaca.
Portanto, um correto diagnóstico, tratamento e manutenção da doença periodontal são importantes para que de alguma forma se previna a arterosclerose.
Infarto agudo do miocárdio e doenças coronarianas
Conforme discutido anteriormente, entre as principais conseqüências da arterosclerose está o infarto agudo do miocárdio. O acúmulo de lipídios é um aspecto chave deste processo e, em estágios posteriores, a placa ateromatosa pode ser coberta por uma capa fibrosa sobre a área focal necrótica.
Em determinado momento, esta capa fibrosa pode sofrer erosão e ruptura, levando à formação de êmbolos com oclusão de artérias, resultando em infarto. A figura abaixo ilustra esta situação.
Garcia et al (2003) comentaram a correlação entre doença periodontal e as cardiopatias, chamando a atenção para o papel dos mediadores inflamatórios e imunológicos. A elevação dos níveis de Proteína C-reativa tem sido associada positivamente com o infarto agudo do miocárdio e a morte súbita por problemas relacionados ao coração. Este fato qualifica a Proteína C-reativa, substância encontrada em altos níveis na doença periodontal, como um importante fator de risco independente para doenças coronarianas e do coração. O mesmo ocorre com a interleucina-1(IL-1) cujos níveis elevados já foram detectados tanto na periodontite quanto na formação de placas ateroscleróticas. O Fator de Necrose Tumoral-a (TNF-a), um dos mais importantes mediadores inflamatórios presentes na doença periodontal, tem demonstrado aumentar a síntese de triglicerídeos pelo fígado, e estão presentes nas placas ateroscleróticas indicando um papel na formação destas. O fibrinogênio, precursor da fibrina e que é produzido pelo fígado, também tem seus níveis aumentados nas infecções, como na doença periodontal, facilitando a formação das placas, dos coágulos que irão causar eventos de infarto no miocárdio.
Uma possível associação entre doença periodontal e infarto do miocárdio, segundo Kweider et al(1993), pode ser dada quando consideramos que uma infecção bacteriana oral crônica pode aumentar o nível de fibrinogênio do plasma e o número de células brancas que estão relacionadas com a natureza inflamatória crônica da doença e com o aumento do risco de doença coronariana. Segundos estes autores, existem vários mecanismos pelos quais o fibrinogênio e o número de células brancas podem promover aterosclerose, trombose e isquemia do miocárdio.
Beck et al(1998) forneceram um modelo e propuseram que há um fenótipo "hiperinflamatório" para macrófagos, determinado geneticamente e presente na doença periodontal, que contribui para a susceptibilidade para a aterosclerose. Os autores mencionam que pacientes com doença periodontal severa possuem monócitos hiperativos, secretando três a dez vezes mais mediadores químicos inflamatórios (prostaglandinaE-2, interleucina-1ß, fator de necrose tumoral a) em resposta ao LPS das bactérias. Relatam ainda que as citocinas juntamente com o LPS são capazes de provocar alterações vasculares, contribuindo diretamente na patogênese da aterosclerose e eventos trombogênicos.
Acidente vascular cerebral e cardiopatia
A correlação da DP com AVC isquêmico fica patente, uma vez que este é decorrente de uma obliteração vascular provocada por um trombo embólico. Como já foi demonstrado, a DP pode promover a formação de ateromas por injúria no endotélio de um vaso, causada por bactérias presentes na cavidade oral (Porphyromonas gingivalis e Streptococcus sanguis). Herzberg & Meyer mostraram que as Porphyromonas gingivalis são capazes de provocar agregação de plaquetas, as quais, pensa-se, estejam associadas à formação de trombo.
Êmbolo decorrente de placa de ateroma que pode ser estéril ou séptico.
Tomografia computadorizada evidenciando uma área de AVC isquêmico já apresentando morte celular por falta de aporte sangüíneo.
Tomografia computadorizada evidenciando uma área de AVC isquêmico já apresentando morte celular por falta de aporte sangüíneo.
Segundo orientação da American Heart Association, 1997, pacientes com alto risco de doença aterosclerótica devem se submeter a um exame periodontal completo. Pacientes com doença periodontal devem ter uma história médica bem detalhada, que avalie as condições sistêmicas, medicamentos, fatores de risco para aterosclerose e condições relacionadas com a doença cardíaca e AVC.
O tratamento de pacientes com doença periodontal e doença aterosclerótica preexistente, com AVC, IAM (Infarto Agudo do Miocárdio) não-fatal e aterosclerose em geral, deve receber um trabalho coordenado dos profissionais da saúde para assegurar que o mesmo está sendo tratado adequadamente, considerando-se a parte médica e dental e as complicações.
Uma prevenção agressiva da doença periodontal deve ser realizada nos pacientes com alto risco de doença aterosclerótica. Na existência de doença periodontal em pacientes de alto risco, um tratamento lógico deve ser instituído para erradicar, tanto quanto possível, a doença periodontal e prevenir sua recidiva.
Os pacientes devem estar totalmente conscientes das possíveis relações entre doença cardíaca, AVC e doença periodontal, sem ficarem alarmados, mas para que se motivem a participar da modificação dos fatores de risco, tanto para aterosclerose como para doença periodontal.
Baseado no que foi exposto sobre a relação entre doença periodontal e cardiopatias conclui-se que:
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