Dr. Arnaldo Takahashi
São Paulo, SP
Autores
Warley D. Kerbauy
Arnaldo M. Takahashi
A Ciclosporina, droga originalmente produzida por um fungo (Tolypocladium inflatum), é potente imunossupressora usada em pacientes que receberam transplantes de órgãos ou de medula óssea pois afeta seletivamente a resposta imune mediada por células evitando a rejeição(9, 11, 12, 18, 21).
Os efeitos colaterais associados a essa droga são freqüentes e dependem da dose já que respondem satisfatoriamente com a diminuição da mesma. Na cavidade bucal podemos destacar com maior importância a hiperplasia gengival, candidíase, mucosites, herpes, úlceras e a exacerbação aguda de doenças periodontais crônicas (6). Dentre outros efeitos podemos observar cardiotoxicidade, nefrotoxicidade, hepatoxicidade, hipertensão, tremores, hirsutismo, edema, poliglobulia, infecções sérias, ginecomastia, linfomas, distúrbios eletrolíticos, parestesia e anemia leve (8, 10, 15, 18).
A associação entre a terapia com Ciclosporina e a hiperplasia gengival foi descrita pela primeira vez na literatura Odontológica no início da década de 80 e , desde então, vários relatos e estudos sobre os fatores que podem influenciar a incidência e severidade dessa lesão vêm sendo feitos(17, 20, 22). A hiperplasia gengival tem sido relatada como um do muitos efeitos adversos da terapia com Ciclosporina, tanto em animais como em humanos(19). Estudos clínicos e cultura de células sugerem que o mecanismo da hiperplasia gengival é resultado de interações entre a droga e seus metabólitos com fibroblastos susceptíveis. A inflamação gengival induzida por placa bacteriana parece agravar a lesão(17), contudo a exata etiologia pelo qual ocorre o crescimento gengival ainda é incerta(5,7).
A literatura indica que a hiperplasia gengival induzida pela Ciclosporina seja conseqüência de vários fatores, dentre os quais se destacam: controle de placa, nível de inflamação gengival, extensão da destruição periodontal, dosagem e a duração da terapia com o fármaco, a concentração plasmática da droga e de seus metabólitos e a idade do paciente, sempre associados a condição médica pela qual a droga está sendo utilizada(3, 13, 17).
Clinicamente, a hiperplasia gengival induzida pela Ciclosporina caracteriza--se inicialmente por um aumento das papilas principalmente nas porções vestibulares, geralmente de aspecto lobular. Com o aumento do crescimento gengival, as papilas adjacentes tendem a se fundir. É mais comum afetar a gengiva inserida, no entanto há casos em que o crescimento se estende coronariamente afetando a oclusão e a fonética. A incidência dessa lesão varia entre 25 - 81% do total de pacientes transplantados. Devido à cardiotoxicidade da Ciclosporina, em pacientes que apresentam arritmia e/ou angina, há necessidade da administração conjunta de medicamentos bloqueadores do canal de cálcio, como a Nifedipina.(9) Essa associação parece aumentar em 50% a prevalência e reflete-se na gravidade da lesão gengival.(13, 17, 22) A hiperplasia gengival induzida por Ciclosporina não tem sido relatada em indivíduos edêntulos(17).
Histopatologicamente a lesão caracteriza-se pela presença de epitélio estratificado pavimentoso, emitindo projeções alongadas em forma de “tubo de ensaio”. A lâmina própria apresenta tecido conjuntivo denso com aumento da quantidade de fibras colágenas e infiltrado inflamatório mononuclear variável(1, 13, 17).
Neste estudo, relatamos um caso clínico, observando os aspectos clínicos e histopatológicos da hiperplasia gengival associada a Ciclosporina.
O paciente H.M.O., sexo masculino, 37 anos, compareceu à clínica de Periodontia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – São José dos Campos, Brasil, queixando-se do aumento de volume da gengiva, sangramento gengival e mobilidade dental.
Csa 800mg ► 6meses ► Csa 600mg ► 6meses ► Csa 500mg
► 1 ano e 6 meses ► Csa 300mg ► 1 ano e 6 meses ► Csa 200mg (estabilizado)
Atualmente, além da Ciclosporina, continua tomando Azatropina (100mg), Metilcorten (7.5mg) e Verapamil (80mg) e Furazemida (80mg).
Clinicamente, apresentava hiperplasia gengival envolvendo todos os dentes da maxila e região de incisivos, caninos e pré-molares da mandíbula, com aspecto lobulado, coloração rósea-avermelhada (Figuras 1A e 1B) e sangramento à sondagem. Observou-se a presença de placa bacteriana visível, cálculo dental e bolsas periodontais profundas na maioria dos dentes. Realizou-se exame radiográfico periapical completo (Figura 3).
O paciente após ser orientado quanto a higiene oral, foi submetido a algumas intervenções como: biópsia da região gengival vestibular do elemento dental 12, extrações dos dentes periodontalmente comprometidos (11, 12, 21, 22, 31, 32, 41, 42, 25, 26), raspagem e aplainamento radicular meticulosos dos dentes restantes, cirurgias periodontais, restaurações e próteses. As Figuras de 1C a 1I e todas as fotos da Figura 2 exibem características desta fase.
O exame microscópico do material enviado para exame histopatológico, revelou epitélio do tipo pavimentoso estratificado exibindo degeneração hidrópica, exocitose e hiperplasia com projeções epiteliais irregulares e entrelaçadas. A lâmina própria estava representada por tecido conjuntivo fibroso denso, exibindo intenso infiltrado inflamatório mononuclear difuso. Também observou-se áreas com edema intersticial, numerosos espaços vasculares por vezes congestos, e alguns corpúsculos de Russel. O quadro foi sugestivo de hiperplasia gengival inflamatória.
Após a conclusão das raspagens e aplainamentos radiculares, foi administrado por via oral Cloridrato de Clindamicina (150 mg, três vezes ao dia, por 8 dias), antes da fase cirúrgica. Executamos gengivectomia nas regiões gengivais vestibular e lingual dos dentes 13, 14, 15, 16, 23, 24, 33, 34, 43, 44 e 45. Após 7 dias realizamos pós operatório e controle aos 14 dias.
Foram realizados controles (terapia periodontal de suporte) no primeiro mês após as cirurgias e a cada 3 meses até completar 18 meses. Nesta fase iniciou-se tratamento restaurador consistindo de dentística e prótese. Não se observou recidiva das lesões nesse período de observação.
A Ciclosporina é um medicamento que vem sendo utilizado desde o século passado em pacientes submetidos a transplantes de órgãos ou medula óssea, com o objetivo de se evitar a rejeição, devido a sua ação de imunossupressão seletiva, afetando mais a resposta celular mediada por linfócitos T (helper) (3, 6, 11, 17-19, 21, 22).
Existem várias hipóteses com relação à etiologia da hiperplasia gengival associada à Ciclosporina. O aparecimento da patologia pode estar relacionando a uma hiperplasia devido ao aumento do número de fibroblastos, segundo Wysocki et al.23 (1983). Volpe et al.22 (1997) também comentam que o crescimento pode estar relacionado ao aumento no volume de colágeno extracelular, devido a um aumento na síntese desse produto, ou diminuição da sua degradação, ou ambos.
Magini & Schiochett6 (2000) em sua revisão sobre Ciclosporina relataram a presença de uma subpopulação geneticamente determinada de fibroblastos sensíveis à Ciclosporina. Esse fato justificaria a susceptibilidade individual ao aparecimento da hiperplasia gengival.
É Importante relatar que os efeitos gengivais causados pela indução da Ciclosporina, segundo Savage e colaboradores16 (1987), dependem da presença de placa bacteriana ou outros fatores locais irritantes, suscetibilidade individual e particularmente a dose utilizada da droga. No caso apresentado, observamos que houve estabilidade da forma gengival quando iniciamos a terapia periodontal de suporte coincidindo com a redução da dosagem da Ciclosporina concordando também com os achados de Magini & Schiochett6 (2000).
Segundo Daley et al.3 (1986), a idade do paciente foi o fator mais importante correlacionado com a hiperplasia gengival induzida pela Ciclosporina. Segundo eles, os adolescentes são os de maior risco para o crescimento gengival. Isto pode ser devido a potencialização dos fibroblastos pelo hormônio do crescimento e não devido aos hormônios sexuais pois em suas pesquisas não encontraram diferenças entre os sexos masculino e feminino. O nosso paciente iniciou o tratamento periodontal com 37 anos e já usava Ciclosporina desde os 33 anos. Provavelmente o fator mais importante para o surgimento da hiperplasia tenha sido a periodontite de longa duração, que pode ser observada pela perda óssea avançada nas radiografias.
Daly 4 (1992), observou rápida resolução hiperplasia gengival induzida por Ciclosporina de um paciente ao reduzir a dose da droga administrada após obter insucesso ao tentar com controle de placa e raspagem/alisamento radicular. No caso apresentado, ocorreram os dois fatores, ou seja, controle periódico da placa e redução da dosagem. Talvez devido a esse fato, não observamos recidiva das lesões. Rossmann et al.14 (1994) verificaram que a recorrência da hiperplasia gengival é um achado freqüente, em um intervalo de 4 a 6 meses, mesmo após associação de terapias com uso de clorexidina, acido fólico e gengivectomia. Já Rostok et al.15 (1986), que pesquisaram a relação entre dose, fatores locais e hiperplasia, observaram recidiva das lesões após um período de 2 meses do tratamento. Verificaram também reposicionamento dos dentes que estavam mal-posicionados no período pós-operatório fato que não pode ser observado em nosso caso, pois os dentes mal-posicionados como os incisivos tiveram que ser extraídos por grave envolvimento periodontal.
Nossas observações clínicas e histopatológicas estão de acordo com as descritas na literatura (Seymour & Jacobs17, 1992; Rossmann et al..14, 1994; O’VALLE et al.10, 1994). Rossmann et al.14 (1994) sugeriram o termo “crescimento gengival induzido pela Ciclosporina” por não achar cabível o termo “hiperplasia”, tendo em vista que não encontraram aumento do número de células conjuntivas ou epitelias. Em nosso exame histopatológico foi observado hiperplasia epitelial mas não no conjuntivo.
Baseado no potencial de recorrência dessas lesões, os pacientes devem ser mantidos sob controle clinico periódico, com ênfase na motivação e orientação de higiene bucal. O acompanhamento do caso apresentado será de grande valia pois poderemos observar o comportamento gengival nas áreas dentadas e edêntulas.
Agradecimentos: Os autores deste trabalho, que foi realizado na Clínica de Estagiários de Periodontia durante os anos de 2001 e 2002, desejam agradecer a colaboração do Prof. João Carlos Baccigalupo e seus estagiários da Disciplina de Clínica Integrada que realizaram o tratamento protético.
Formado em 1999 na UNESP-SJC, clinicando em consultório particular desde 2000. Ao longo dos anos montei uma equipe multidisciplinar com o nome de Takahashi Odontologia Integrada... Leia mais
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