Manejo Microcirúrgico de Erro de Procedimento na Fase de Preparo Mecânico Apical em Endodontia: Transporte Apical.

  Caso clínico, 04 de Out de 2016

Resumo

Introdução:

A Endodontia é a especialidade que trata ou previne as patologias pulpares e as periodontites apicais. O tratamento endodôntico tem como principais objetivos limpar e desinfetar toda a extensão do sistema de canais radiculares a um nível compatível com saúde (Siqueira et al 2000). Quando, através de um meticuloso tratamento, alcança-se tais objetivos, as taxas de sucessos podem ultrapassar os 94% (Imura et al. 2007; Lazarski et al. 2001). Na busca por estes resultados, durante a terapia endodôntica, realiza-se o preparo mecânico através de instrumentos endodônticos e o preparo químico através de soluções irrigadoras. 

Após a limpeza e a modelagem, a obturação endodôntica deve preencher tridimensionalmente e selar o espaço endodôntico visando prevenir a recontaminação bacteriana, mantendo as condições de sanificação alcançadas através das etapas anteriores.

O preparo mecânico do sistema de canais radiculares é de extrema importância no processo de sanitização endodôntica (Al-Sudani D, Al-Shahrani 2006). É responsável por remover fisicamente a dentina contaminada e consequentemente as bactérias localizadas dentro dos túbulos dentinários. Além disso, amplia o diâmetro e modela os canais principais propiciando a chegada de maior volume de soluções irrigadoras até o terço apical (Shuping et al 1999, Siqueira et al 2000). Ele também cria uma forma cônica favorável para a obturação endodôntica. Portanto, influencia diretamente na qualidade do processo de desinfecção e consequentemente no prognóstico do caso.

Erros de procedimentos na fase de preparo mecânico podem impossibilitar o alcance de níveis de desinfecção necessários. Yousuf W et al. 2015, fizeram a avaliação radiográfica digital de 1748 dentes tratados endodônticamente e encontraram erros de procedimentos em 32.8% (574 dentes) dos dentes avaliados. O transporte do forame apical, levando ou não à perfuração da raiz, esta entre os erros mais comumente cometidos durante o tratamento endodôntico especialmente em canais curvos (Fogarty TJ & Montgomery S 1991; Camara AC et al. 2007; Gergi et al 2010).

De acordo com o Glossário de Termos Endodônticos da Associação Americana de Endodontia, o transporte do canal é definido como: "Remoção de estrutura dentinária da parte externa da curvatura na metade apical do canal em função da tendência das limas em restaurar sua forma reta original durante o preparo do canal; pode criar desde um degrau até levar a perfuração da raiz."

O uso intempestivo de limas endodônticas rígidas como as de aço inox, especialmente de maiores calibres, sem estudo prévio da anatomia dental interna a ser trabalhada, aumenta o risco de transposição foraminal.

A limpeza inadequada dos canais, especialmente do terço apical, predispõe o insucesso endodôntico (Sjogren et al 1990; Nair PN et al 1990). O transporte do forame pode não apenas prejudicar a desinfecção do sistema de canais por impossibilitar o acesso à trajetória original do mesmo, como irritar o periápice pela extrusão de bactérias e seus subprodutos e inviabilizar o ajuste apical ideal de um cone de guta percha. Estas deficiências técnicas impostas pelo erro operacional na fase de preparo podem influenciar negativamente o selamento apical e o adequado controle bacteriano (Wu M et al 2002). Como consequência, pioram o prognóstico do caso clínico envolvido.

Segundo Gluskin et al 2008, o transporte do forame pode ser classificado em três categorias:

Tipo I - representa um deslocamento mínimo da posição fisiológia do forame.

Tipo II - representa um movimento moderado da posição fisiológica do forame resultando em um severo deslocamento para a superficie externa da raiz. Neste tipo, uma comunicação maior com o periápice é iatrogênicamente criada.

Tipo III - representa um severo deslocamento da posição fisiológica do forame e do canal resultando em uma significante iatrogênia.

O tratamento de casos com transportes apicais pode ser feito por diferentes abordagens clínicas. Canais com transposição do Tipo I podem ser normalmente limpos e obturados; com Tipo II, podem ser obturados após a aplicação de uma barreira apical para controlar o sangramento e servir como anteparo físico para evitar a extrusão do material obturador endodôntico. Nestas situações também pode ser considerada a colocação de um tampão apical com MTA seguido de obturação endodôntica convencional. 

Todavia, em casos clínicos com transporte apical do Tipo III, geralmente não é possível alcançar limpeza, desinfecção e obturação adequados. Desta forma, estas etapas devem ser realizadas da melhor forma possível seguidas de uma microcirugia apical para remoção da região apical não tratada.

Caso Clínico:

Paciente do gênero feminio, 55 anos de idade, ASA I, compareceu ao consultório queixando-se de dor espontânea, constante, exacerbada durante a mastigação e palpação apical na região dos dentes 13 e 11 que vinham sendo tratados endodônticamente nos últimos 3 meses. A pressão arterial aferida foi de 128X78 mmHg, frequência cardíaca 82 bpm, saturaçao de oxigênio de 98% e temperatura corpórea de 38,5 0C. 

 A paciente relatou que não sentia dor antes do início dos primeiros tratamentos endodônticos e que estes foram indicados por motivos reabilitadores. Após a primeira sessão endodôntica onde os dentes 13 e 11 foram tratados ao mesmo tempo, a dor começou e exarcebou após o terceiro dia. No quarto dia a paciente necessitou receber Dipirona e Cetoprofeno Intravenosos para controle da dor. Adjuntamente à medicação sistêmica foi realizado um ajuste oclusal. Após 2 dias a dor retornou e a paciente procurou outro dentista que lhe administrou Dipirona Sódica 500mg/ml a cada 04 horas e Nimesulida 100mg a cada 12 horas por via oral durante 7 dias. A dor diminui porém não cessou. Novamente após 2 dias do término do uso das medicações sistêmicas a paciente voltou a sentir dor. Ela procurou então um terceiro profissional que iniciou a reintervenção endodôntica dos dentes 11 e 13. Entretanto a terapia que estava sendo realizada não estava sendo capaz de controlar efetivamente a dor. Depois de 4 dias a paciente também começou a apresentar quadros febris. Foi relatado que em nenhum dos procedimentos endodônticos realizados foi utilizado isolamento absoluto.

O exame clínico revelou acessos endodônticos nos dentes 13 e 11. A configuração geométrica inadequada dos acessos endodônticos já sugeria problemas nas etapas de preparo químico-mecânico do sistemas de canais radiculares (FIGURA 1, FIGURA 2). Radiograficamente observou-se terapia endodôntica iniciada nos dentes 13 e 11 com transporte de forame Tipo III. No dente 12, observou-se coroa total, retentor intrarradicular metálico e tratamento endodôntico insatisfatório (FIGURA 3). Na tomografia foi possível evidenciar as transposições foraminais dos dois dentes (FIGURA 4, FIGURA 5)

Devido a gravidade do desvio apical nos dentes 13 e 11, o tratamento indicado foi a reintervenção endodôntica com complementação microcirúrgica apical. O tratamento do dente 12 também se fazia necessário através de limpeza, modelagem e desinfecção do sistema de canais com consequente obturação endodôntica. Entretanto, como a coroa protética deste elemento encontrava-se adaptada e uma microcirurgia já era prevista para os dentes vizinhos, optou-se por realizar o retro-retratamento endodôntico.

O tratamento foi iniciado com a reintervenção endodôntica do dente 11 seguida do dente 13. Os canais foram irrigados com Hipoclorito de Sódio a 2.5% seguido de EDTA 17%, ambos com PUI e preparados com Reciproc 50 (VDW- Munich- Alemanha). Através do microscópio operatório e da radiografia periapical foi possível visualizar o desvio apical do dente 11 entretanto não foi possível retomar a trajetória original (FIGURA 6, FIGURA 7). O mesmo ocorreu com o dente 13. Devido à grande irregularidade das paredes dos canais após a transposição do forame, não foi possível realizar o travamento adequado de um cone de guta-percha. Por este motivo optou-se por realizar um tampão apical de 4 mm com MTA-HP (Angelus, Londrina, Brazil) (FIGURA 8). A obturação do restante dos canais foi realizada utilizando guta-percha termoplastificada com cimento Fillapex MTA. O cimento Fillapex MTA contém partículas de MTA em sua composição.

 Após o termino desta etapa, a paciente foi submetida à microcirurgia apical onde removeu-se com ultrassom piezoelétrico e ponta W1-CVDentus a área apical correspondente à região da iatrogenia apical. No dente 12 foi realizada a piezo-apicectomia com os mesmos instrumentos e o canal foi retropreparado até a profundidade correspondente ao ápice do núcleo metálico fundido presente. Após secar o canal com um suctor cirúrgico (Endo Tips 0.014"- Angelus - Londrina - Brazil) acoplado a uma bomba a vácuo, procedeu-se com a retro-obturação utilizando-se MTA-HP (Angelus - Londrina - Brazil) (FIGURA 9, FIGURA 10, FIGURA 11).

O MTA tem sido o material de escolha para o selamento de perfurações, retropreparos e de ápices com morfologia irregular, não circular decorrente de reabsorções radiculares ou preparos apicais errôneos. Suas características superiores de adaptação marginal, biocompatibilidade, capacidade seladora em ambientes úmidos, indução e condução de formação de tecido duro, cementogênese com consequente formação de adesão periodontal normal, fazem dele o material mais apropriado para estas situações clínicas. O MTA-HP também é apresentado na forma pó e líquido. Ele preserva todas as características do MTA tradicional acrescentando maior facilidade de manuseio clínico. Esta melhor propriedade de manipulação clínica é devida a uma mudança no tamanho das partículas do pó do MTA e da adição de um plastificante ao líquido.

 Após 5 meses da microcirurgia a paciente retornou para controle clínico radiográfico. Clinicamente não apresentava mais nenhuma queixa de dor ou desconforto. Radiograficamente observa-se o rápido reparo do periápice nos três dente envovildos (FIGURA 12).

Conclusão:

A fase de preparo químico mecânico do sistema de canais radiculares é de extrema importância para o sucesso da terapia endodôntica. Erros operacionais nesta fase, incluindo o transporte foraminal, podem comprometer drasticamente o prognóstico do caso. Por este motivo é de extrema importância preveni-los.

Entretanto, dependendo da gravidade do erro, ele pode ser reparado. O controle radiográfico e clínico pós-operatório deste caso clínico evidenciam que a complementação microcirúrgica pode ser uma opção clínica segura e previsível.

Autor:

Prof. Dr. Leandro A. P. Pereira

Professor de Endodontia da Faculdade de Odontologia São Leopoldo Mandic Mestre e Doutor em Farmacologia, Anestesiologia e Terapêutica Medicamentosa UNICAMP Especialista em Endodontia - Microscopia Operatória - Sedação Inalatória

Referencias:

N. Imura, E. T. Pinheiro, B. P. F. A. Gomes, A. A. Zaia, C. C. R. Ferraz, and F. J. Souza-Filho. The outcome of endodontic treatment: a retrospective study of 2000 cases performed by a specialist. Journal of Endodontics, vol. 33, no. 11, pp. 1278–1282, 2007.

M. Lazarski, W. Walker, C. Flores, W. Schindler, and K. Har- greaves, “Epidemiological evaluation of the outcomes of non-surgical root canal treatment in a large cohort of insured dental patients,” Journal of Endodontics, vol. 27, no. 12, pp. 791–796, 2001.

Al-Sudani D, Al-Shahrani S. A comparison of the canal centering ability of ProFile, K3, and RaCe Nickel Titanium rotary systems. J Endod 2006;32(12):1198-1201.

Fogarty TJ, Montgomery S. Effect of preflaring on canal transportation: Evaluation of ultrasonic, sonic, and conventional techniques. Oral Surg Oral Med Oral Pathol. 1991 Sep;72(3):345-50. 

Camara AC, Aguiar CM, de Figueiredo JA. Assessment of the Deviation after Biomechan- ical Preparation of the Coronal, Middle, and Apical Thirds of Root Canals Instrumented with Three HERO Rotary Systems. J Endod 2007;33(12):1460-1463.

Gergi R, Rjeily JA, Sader J, Naaman A. Comparison of canal transportation and cen- tering ability of twisted files, Pathfile- ProTaper system, and stainless steel hand K- files by using computed tomography. J Endod 2010;36(5):904-907.

Shuping G, Orstavik D, Sigurdsson A, Trope M. Reduction of intracanal bacteria using nickel-titanium rotary instrumentation and various medications. J Endod

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Siqueira J, Lima K, Magalhaes F, Lopes H, de Uzeda M. Mechanical reduction of the

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Sjogren U, Hagglund B, Sundqvist G, Wing K. Factors affecting the long-term results

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Nair PN, Sjogren U, Krey G, Kahnberg KE, Sundqvist E. Intraradicular bacteria and

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Wu M, Fan B, Wesselink PR. Apical Transportation and Leakage. J Endod 2000 Vol. 26, No. 4, April 2000.

Gluskin AH, Peters CI, Wong RD Ming, Ruddle CJ. Retreatment of non-healing endodontic therapy and management of mishaps. In: Ingle JI, Bakland LK, Baumgartner C, editors. Text book of Endodontics. 6th ed. Hamilton, Ontario, USA: BC Decker; 2008. pp. 1088–61.

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